No meado de 2010 eu, mãe de um lindo negrinho chamado Denzel (lógico que é por causa do Maravilhoso Denzel Washington) gozando de seus 4 anos de idade, ao chegar do trabalho, como rotineiramente faço, querendo saber como foi seu dia no integral da escola, enchendo-lhe de perguntas que geralmente são respondidas com um curto relato: -“foi tudo bem”, percebi que naquela curta frase havia um olhar cabisbaixo não habitual!
Desejando saber um pouco mais sobre aquele olhar fui surpreendida com a seguinte afirmativa:
- “Mãe eu não quero mais ser preto!”
Naquele momento muitos sentimentos que acreditei já terem sido superados vieram à tona, como uma novela em meus pensamentos, cenas e situações do meu passado que já justificaram essa mesma frase no íntimo do meu coração, mas que nunca externalizado como naquele momento ousado e inconformado!
Tentei manter a serenidade para saber quais eram os motivos que o levavam a fazer tal protesto, e com muita revolta Denzel respondeu que seus coleguinhas de escola disseram-lhe que sua cor era a cor de coco e por isso riam dele!
Fiz de tudo para não transparecer minha indignação e na tentativa de levantar sua auto-estima, logo respondi:
- “Como pode um garotinho tão lindo, cheiroso e gostoso ser comparado a um coco!? Acho muito mais parecido com uma deliciosa barra de chocolate ou com um cafezinho gostoso e quentinho...” e o enchi de beijos...
Vendo seu rostinho ainda descontente com um lindo biquinho, em seguida tentei indagar se ele também gostaria de sair dessa família, pois se todos nós somos pretos e nos orgulhamos disso, como eu poderia ter um filho branco!?
Ainda não contente com meus argumentos Denzel questionou o fato de não existir nenhum super-herói preto, e que nos momentos de brincadeira da escola, os colegas não aceitavam que ele fosse personagens como Super-homem, Bem 10 ou Homem Aranha porque não são parecidos com ele!
Com meu coraçao apertado sabia que ele tinha toda razão com relação a falta de super-heróis e personagens de sucesso negros, mas ainda assim respondi que no mundo do faz-de-conta, todos poderiam ser quem quisesse, independente de parecer ou não com determinado personagem.
Tudo isso foi muito embaraçoso, pois ontem eu fui a criança vítima de todas essas discriminações raciais em meus vários ambientes sociais e hoje sou mãe de mais uma criança que, em pleno século XXI ainda é vítima desse mal que a população negra brasileira ainda é submetida, o RACISMO!!!!! Um mal que parece não se estancar...
Procurei a escola para saber que tratamento estavam dando a estes tipos de questões, e responderam não terem presenciado nenhum tipo de conflito parecido. Uma professora, que aliás tenho muito carinho, depois de meu relato, com as melhores de suas intenções transbordou o balde de despreparo com as questões raciais, pois foi capaz de abraçá-lo e dizer: “Meu lindo, não fica triste com essas coisas, aliás, “você nem é preto, você é moreninho igual a tia, ó!" (comparando os tons de peles)
Quase caí para trás!!!!! De imediato corrigi sua colocação, mais que equivocada, dizendo que ele é preto sim, assim como sua mãe e seus familiares, (não aquele que é preto, mas é bonito) mais sim um preto muito lindo e inteligente que não deve se abater com colegas que falam esse tipo de bobagem!
Neste momento percebi que se dependesse da ajuda da escola para esse tipo de apoio, a briga estava perdida, pois por mais amorosas e cheias de boas intenções não estavam preparadas para agir em prol de uma educação anti-racista, tão pouco estavam alicerçadas com a lei federal nº10.639/03, que na ocasião era pelo menos 3 anos mais velha que Denzel!!!!!
Muitas reflexões me fizeram sair de todos esses anos em estado da inércia, pois como uma professora graduada em Pedagogia e História não poderia permitir passar por tudo isso novamente sem nenhum posicionamento efetivo que pudesse abranger um número maior de pessoas em prol do combate ao racismo na educação.
O somatório da minha própria história, mais esta questão com meu filho em pleno Jardim II, além das observações do meu dia-a-dia como educadora de um projeto social com jovens da comunidade de Manguinhos, deram pernas para a criação do “Projeto: Recriando olhares em prol de uma Consciência negra em Roda de educadores”, objetivando contribuir com os esforços das esferas públicas por uma educação anti-racista, de maneira militante, levando aos espaços educadores discussões e reflexões que possibilitem recriar olhares sobre as questões étnico-raciais brasileiras fundamentada pela lei federal 10.639/03, viabilizando uma melhor elaboração de práticas pedagógicas em favor de uma educação pela valorização das diferenças na construção de igualdades.
E este é o 1º ato dessa história da vida real!
Viviane Rodrigues Santos Angelo